sexta-feira, 8 de abril de 2011

Reflexão motivada pelo Massacre na Escola do Rio de Janeiro.

Quando falamos do tema da Inclusão Social mencionei que nossa sociedade é hostil.

Não vou tratar sobre o tema da hostilidade de nossa sociedade, apesar de ser um assunto que merece reflexão.

Há um tempo vi no You Tube uma palestra com o título "Medo e temor" em que o palestrante faz uma observação interessante (não vou reproduzir a observação ipsis litteris, vou apenas passar a ideia geral): "Nós vemos a violência das outras culturas como endêmicas, ou seja, como próprias daquela cultura, como se o modo que aquela cultura vivem é propício à barbárie. E vemos a violência de nossa cultura como fatos isolados, provocados por pessoas más, que tem a ver com o caráter das pessoas envolvidas na violência - mas não é questão de mentalidade de nossa cultura." Obviamente, o palestrante quis dizer que utilizamos dois pesos e duas medidas para avaliar a nossa cultura e a cultura alheia. É claro também que ele quer dizer que a nossa incoerência não é consciente, ou seja, a incoerência não é percebida como tal. E eu acredito que um conjunto enorme de pressupostos falsos enraizado em nossos costumes favorecem a camuflagem dessas incoerências.

O massacre de ontem foi um exemplo típico de nossas camuflagens. Diante do ocorrido, olhamos para o terror e procuramos o culpado - no caso, o rapaz que cometeu os crimes. A tendência seguinte ao reconhecimento do culpado é a tentativa do linchamento (como se linchamento não fosse bárbaro e criminoso). O linchamento é inclusive justificado pelo terror da situação e dizemos para nós mesmos que qualquer um faria o mesmo e que o rapaz merece (a parte cega da história é que o rapaz também achava que aquelas crianças mereciam ser brutalmente assassinadas; o que faz com que os "achismos" se equivalham). Todos nós sabemos, mas fechamos os olhos: um erro não tem o poder de justificar o outro; um crime bárbaro não tem o poder de justificar outro crime bárbaro. Os dois pesos e as duas medidas são prontamente tiradas do bolso.

Como o rapaz já havia levado os tiros do policial e ele próprio suicidou-se depois, não houve o linchamento e a vingança não pode ser realizada. Como já foi exposto, interpretamos a violência como de responsabilidade estrita do indivíduo, sem que nada tenha a ver conosco. O pior é que o rapaz ia morrer de qualquer jeito, pois o suicídio foi premeditado - e isso aumenta ainda mais o sentimento de raiva e impotência da revolta.

O noticiário (estou falando do Jornal Nacional - que é um jornal que privilegia o sensacionalismo ao invés da reflexão -, porque foi esse que vi) anunciou o fato como uma tragédia. Nas tragédias o Destino é essencial na trama e envolve as ações humanas numa fatalidade inexorável.

Pensemos. Se o destino é inexorável e caiu sobre as costas dos envolvidos só nos resta o assombro do sangue derramado. E se a responsabilidade é do caráter do indivíduo, então, o que se há de aprender com a situação. Nada. Nada. Mil vezes nada. E se alguém gosta de ver essas notícias na televisão e espantar a monotonia colocando esses assuntos em pauta é uma questão de gosto pessoal - um tipo de gosto bizarro comum que nós cultivamos durante a vida. No entanto, nenhuma avaliação ética poderá ser feita e nenhum aprendizado sobre nosso modo de vida virá à luz da nossa consciência.

Qual é a diferença entre um Tsunami que mata muita gente e um rapaz que mata muita gente? A diferença fundamental é que o primeiro é um evento qualquer da natureza - embora de grande magnitude - sem motivação e sem responsabilidade. O segundo é uma ação provocada por um ser humano e possui motivações e responsabilidades. E não adianta dizer que o rapaz era louco, porque nem mesmo temos a medida e os limites da sanidade e da loucura. Não adianta dizer que neste caso específico a loucura está nítida, porque os loucos também são humanos, vivem em nossa sociedade e temos que procurar entender a loucura deles - sem tratá-los como cães, retirando o seu status de cidadão. O mundo não é de ninguém e por isso fora do escopo social da Lei não podemos decidir quem merece viver ou morrer, que merece viver preso ou livre. Portanto, nenhum louco nasce com um destino. É a sociedade específica - com limites restritos de compreensão - que avalia como devem proceder os cidadãos.

Lembrem-se que como os loucos aqui, existem mulheres em sociedades acolá que não gozam de vida social ampla na comunidade. Por isso, seguindo o mesmo raciocínio que costumamos imprimir no caso dos loucos, as mulheres nascem inferiores e tem o seu papel limitado na sociedade. Mais uma vez: a questão não é de nascimento e de estado biológico dos seres, mas como a sociedade lida com os seres.

O que podemos aprender com o caso? Quem somos nós? O que somos capazes de fazer? Como tratamos as pessoas que não compreendemos? Nós nos compreendemos? Quais são as exigências estruturais para que haja vida digna na sociedade? Qual é o papel da educação na cultura? O que é educação e cultura? O que podemos esperar das relações humanas? Qual é o espaço da sanidade e da loucura na nossa sociedade?  Como compreendemos a violência e a paz? 

Essas são algumas perguntas que a gente pode se fazer constantemente. E elas podem fazer com que não alimente aquilo que você quer justamente enfraquecer. Um pouco de autoconsciência faz bem para o exercício da ética. Vale a pena pensar!

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