sexta-feira, 1 de abril de 2011

O Mundo das Razões e da Verdade.

A cultura Ocidental, que tem seu berço na Antiga Grécia, vem sendo o resultado de uma perseguição: perseguição da Verdade. E sob o signo da Verdade formou-se o ideal de nossa cultura. A perseguição desse ideal criou a Lógica.

Muitos não sabem, mas a Lógica (do grego logos que quer dizer discurso, entre muitas outras coisas, e foi traduzido para o latim como ratio e veio a nós como razão) foi criada pelo desenvolvimento do trabalho dos filósofos antigos. Parmênides colocou o desafio inicial e, resumidamente, Sócrates, Platão (duelando contra os Sofistas) e finalmente Aristóteles (que foi o primeiro a sistematizar o discurso, criando a Lógica) deram sequência e desenvolvimento ao discurso coerente. Lógica é sistematização e regras do discurso, "produzindo" um encadeamento linguístico que nos permite fazer inferências e avaliar se a argumentação é  realmente válida.

Talvez você ache apenas natural que seja assim, mas o fato de você não aceitar contradições numa argumentação não tem nada de natural. É, na realidade, o resultado de uma cultura que colocou a  Razão em primeiro plano - influenciando toda a rotina da vida social, bem como nossas instituições e critérios de justiça.

Por mais estranho que isso pareça, existem muitas culturas em que a contradição não é percebida. Mais estranho ainda talvez seja o fato que o projeto de racionalidade que norteou nossa cultura por milênios foi colocada em cheque - não sem motivos - pelos filósofos contemporâneos. A consequência imediata disso é uma profunda desconfiança na nossa capacidade de avaliação ética - obviamente, já que, como foi dito acima, o instrumento principal de avaliação e juízo de nossa civilização, que conduz e ordena nossas atividades sociais (a racionalidade), passou a ter que se equilibrar para não cair no abismo da ilegitimidade. 

Desconfiança ética é autodesconficança humana, pois a pergunta ética fundamental - e que trata do objetivo principal da educação de nossos filhos -, ou seja, "como viver?/como é viver bem?" não pode ser respondida com a ausência da dúvida. 

Não ter nenhuma resposta a essa pergunta, ou ter desconfiança sobre nossa capacidade de dar respostas, significa ausência de firmeza e de autoconfinança, tornando nossa caminhada no mundo um terreno escorregadio e movediço. Existem consequências sérias neste simples fato de não podermos dizer como deveremos agir, ou, como os outros devem agir, ou, como nossa família deve agir, ou seja, de não saber como funciona o eixo central da vida humana para que possamos conduzir bem a nossa própria vida. Pense. Como poderemos distinguir até mesmo a ação ética da ação criminosa? Como decidir sobre o que é Legal e o que é criminoso? Não adianta a gente apelar para as convenções da sociedade para poder responder a essa pergunta. Isso porque queremos saber se somos capazes de fazer justiça e criar convenções que correspondam a justiça. Queremos saber o que é certo e o que é errado para transformar a sociedade numa Sociedade Boa.

As Grandes Guerras Mundiais são exemplos trágicos de nossa situação ética atual. Desde o final do séc. XIX os pensadores vem nos alertando sobre alguns aspectos "inusitados" de nossa cultura. É que a exigência de racionalidade e verdade do mundo ocidental deveria levar ao desenvolvimento de nossa humanidade e à felicidade dos cidadãos. Mas, cada vez mais, enxergamos um mundo inóspito para a vida humana. E onde o chamado "progresso da civilização" se instala significa, para a maioria das pessoas, condições sub-humanas de existência e de trabalho, com o propósito implícito de gerar Capital

Quando vieram as Grandes Guerras e pudemos analisar as suas causas (como, por exemplo, o Movimento de Imperialismo Europeu, que se justificava com o argumento de levar a civilização para outros povos) e consequências percebemos o grau elevado de barbárie em que foi colocada a vida humana. Como observou Winston Churchill, toda essa barbárie das Guerras foi provocada e cometida pelos ditos "Estados mais civilizados".

Enfim, o Ocidente descobriu no próprio exercício da Razão a fragilidade da racionalidade. E agora, justamente pela sua fragilidade, a racionalidade é mais preciosa do que nunca. Ao invés de destruir a si mesma, a racionalidade descobriu que ela precisa de cultivos e de cuidado - e que, acima de tudo, ela é um exercício coletivo de autocrítica. Nossa cultura, então, está condenada às transformações sociais, pois não aceitamos meias respostas, respostas autoritárias, respostas vazias ou respostas demagógicas, que insistem em permanecer entre nós. E onde elas estiverem, estaremos sinalizando para o seu perigo, sugerindo outros caminhos para as nossas atividades.

Ser uma pessoa madura e eticamente consciênte no Ocidente não é mais oferecer as respostas lógicas, mas exercitar a dúvida e assumir as incertezas.

No Mundo das Razões e da Verdade que o Ocidente produziu, a inconsistência, a verossimilhança, a probabilidade, o inconsciente são seus principais habitantes.

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